terça-feira, 21 de outubro de 2014

Escolhi-te






Eu, Eva, não quis um Adão. Dispenso costelas alheias. Pecados primeiros. E apesar de não ser fashionista, recuso-me a trajar folhas de bananeira. Nem gosto de bananas. Está para nascer o réptil com quem terei qualquer relacionamento. E jamais abdicaria do meu jardim. Que tampouco é do Éden.


Escolhi-te naquela tarde fria. Quando conversávamos sobre guerras infinitas. E sobre o que realmente interessa. Sentados no terceiro andar do meu apartamento. Na quase varanda. Com a amável vista do edifício ao lado. E as vidas dos seus habitantes. Através das suas inteiras varandas.



Escolhi-te de novo naquele Carnaval do qual tenho meias memórias. Eu vestida de chef. Tu de ti mesmo. Gasosas quentes e sem gás. Longas caminhadas. Danças constrangedoras. Ruídos a mais. Gente a menos. Gargalhadas abafadas. Nós. O nosso primeiro plural.


Escolhi-te outra vez naquela viagem à Beijing. Na que tu não foste. Trabalho, disseste. Preguiça, eu sei. Saudades, tive eu. Ou os dois. Tenho mais mensagens tuas que fotografias da cidade. Passei mais horas ao telefone que a visitar lugares. Troquei mais palavras contigo do que com as pessoas de lá. Estive mais contigo do que nunca. Ou sempre.

E fui-te sempre escolhendo. Entre os lençóis outrora com cheiro a rosas. Nas auroras boreais que jamais verei. No limite entre tempo e espaço. No fundo de uma garrafa plástica que já carregou água. No cimo de um monte nevado onde o oxigénio escasseia. Num qualquer alto mar. E entre os sete biliões de habitantes humanos deste planeta. Eu te escolhi.