sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Sensibilidade Amargurada



Dezanove e cinquenta e seis minutos. Marcos tocou a campainha. Já imaginava que ele se acompanhava de mais uma mentira. E como durante muitos meses sujeitei o meu coração à humilhação e ao desprezo, agora ele pouco reage às mais falsas palavras. Ele habituou-se a pouco como consequência do que recebeu do Marcos. Abri a porta e perguntei-lhe o que ele queria e por que ainda procurava-me.
Marcos tem um metro e setenta e cinco centímetros de altura. Dez centímetros acima de mim. Para beijá-lo, eu tinha de equilibrar-me na ponta dos pés e abraçá-lo à volta do pescoço. Era romântico somente naquele instante. Conheci-o quando enfrentava uma separação amorosa proveniente de uma relação que durou dois anos. Temia que esta decepção engolisse, para sempre, a minha vontade de amar. Mas encantei-me pela maneira como ele abraçou as minhas inquietações e, assim permitimo-nos explorar a beleza de cada momento. Aceitei seus beijos sem compromisso em lugares de baixo prestígio. Deixei-o conhecer a textura do meu corpo sem estabelecer nenhuma relação sólida com ele. Receava que a angústia do amor passado me impedisse de acreditar no brilho do dia seguinte. Este pensamento conduziu-me às experiências mais profundas com o Marcos. Envolvi-me, perdi-me nas suas graças e comecei a amá-lo. Ele dizia-me que eu era o seu maior troféu porque jamais tinha beijado um coração severamente magoado que ainda aguentava-se em pé.
Seis meses após constante interacção diária, beijos fora de hora, contacto corporal mais frequente do que o habitual, sugeri-lhe que firmássemos a nossa relação. Já era hora de conhecer os seus familiares e amigos mais próximos. A adrenalina do segredo já tinha perdido a sua graça.
- Má hora! Impus limites muito tarde. Ele já conhece as minhas fantasias, algumas angústias e um bom número de prazeres meus - o meu pensamento gritava agoniado.
Marcos insistia que a sua zona de conforto era o anonimato. O silêncio das más bocas. Ele fez-me acreditar que uma relação assumida impede o casal de explorar as suas loucuras porque torna-se conhecida por todos. O meu coração apaixonado rendeu-se às condições do Marcos.
- Por que ele não se envaidece por me ter na sua vida? Será que as suas palavras condizem com os seus sentimentos? - o meu pensamento questionava-se inúmeras vezes por dia.
Mais seis meses passaram e rumores diziam que Marcos já levava outra mulher para a sua casa. Essa mesma mulher conheceu os seus irmãos, primos e tios. Pessoas a quem eu nunca fui apresentada.
Dezanove e cinquenta e seis minutos. Marcos tocou a campainha. Eu saía do banho quando ouvi o som da campainha. Sabia que era ele. Dirigi-me para a porta e pedi-lhe que tivéssemos a conversa exactamente onde estávamos. Ele implorou-me para que lhe permitisse entrar e a razão pouco agiu naquele momento. Deixei-o entrar. Aceitei o seu toque. Caí no ritmo do nosso envolvimento. Mas minutos antes, quando ainda sentia o poder da razão, eu disse-lhe:
- Não preciso que digas mais nada. Guarda as tuas palavras para a tal nova mulher com quem andas. Chega desta humilhação! Deslumbraste-me com o teu jogo e fizeste-me acreditar nas tuas falsas afirmações. Mantiveste-me em segredo durante muito tempo para depois te envaideceres com uma outra mulher. E as rosas que nunca me deste? E o abraço quente que nunca me ofereceste? Por que nunca fizeste amor comigo? Como implorei que me tocasses com leveza e suavidade para que conhecesses cada detalhe do meu corpo! A minha aflição elevava o teu ego. Sentias-te superior ao saber que eu me reduzia por ti. E os beijos em público que nunca me deste? Por que não sou o teu motivo de vaidade? Iludi-me, iludiste-me.
Não me mantive firme perante as minhas palavras e derramei a minha dor nos nossos desejos. Saboreei-o intensamente e pedi-o que não me contasse a sua versão dos rumores. Eu sabia que ele negaria tudo. Aconselhei-o a resolver-se com a tal mulher e eu estava disposta a fechar os olhos para os acontecimentos anteriores.
Marcos continuou com a sua vida livre e sem escrúpulo. Suportei suas novelas durante mais três meses e a fragilidade do meu coração, aos poucos, gerava um sentimento de repulsa. Rejeitava a acreditar que o homem a quem doei o meu todo, desfilava descaradamente com outra mulher.
O sentimento de repulsa fez-se sentir numa tarde de tempo frio, quando, de costas para ele, eu ordenei-o:
- Hoje quero pedir-te que te vás. Vai e permite-me ser quem eu era antes de te conhecer. Quero que abras aquela porta e te despeças de nós, da nossa história e das nossas lembranças de uma vez por todas. Iludiste-me, seduziste-me e despiste-me de uma forma tão cruel que envolveste não só o meu corpo mas também a minha alma e a minha integridade. Pisoteaste-me quando afirmaste que jamais me amarias. Então vai e permite-me conhecer esse tal amor verdadeiro de que muitos falam. Eu julguei que o envolvimento entre dois corpos unisse a paixão ao amor, até descobrir que os desejos do corpo são superficiais quando comparados com os desejos da alma. Agora sei por que arranhavas as minhas costas nos momentos íntimos e te desinteressavas com a minha dor logo após. A resposta sempre esteve nas tuas acções, mas eu não via. O teu corpo só desejava outro corpo, mas não necessariamente o meu. Podia ter sido outra mulher no meu lugar. Perdi-me no teu encanto superficial e aceitei o pouco que me ofereceste. Já perdi a pureza do meu corpo, mas ainda espero viver este amor tão profundo.
"Esta história foi inspirada numa conversa com uma mulher que experienciou na pele a dor da traição. Agradeço-te por teres sido tão aberta comigo. Histórias reais dão sempre um toque especial à criatividade".


Fotografia: Luaty Almeida

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Um Toque Irresistível


Hoje estico-me sobre a poltrona que presenciou o meu último orgasmo. Num piscar de olhos, os desejos florescem e as memórias seduzem-me. Ele, um homem com o físico comum e sobrancelhas desenhadas num arco suave que acentua o charme do seu olhar, foi delicado ao provocar a minha ansiedade e a levar-me ao delírio. De calções minúsculos e peito nu, ele sentou-se na poltrona e eu, despida de qualquer vestimenta, repousei o meu traseiro sobre o seu sexo. O seu íntimo ainda estava morto, mas o fervor e a intensidade faziam-se sentir na sua pele. Os meus pés semi-levantados bloqueavam o movimento das suas pernas. Queria somente que ele massajasse as minhas costas enquanto falávamos sobre a nossa rotina diária. Mas ele optou por curvar-se diante do prazer que nasce sempre que os nossos corpos se tocam. Assim, com as suas mãos presas ao meu quadril, ele beijou e mordeu as minhas costas. Tentava prever como seria desta vez. Os seus beijos ternos indicavam-me que saciaríamos o prazer na cama. Mas suas mordidas, aos poucos diziam-me que ele comer-me-ia ou aqui na poltrona ou contra parede à sua trás.
Meu corpo começava a reagir aos sopros e às mordidas. Minha mão direita acariciava a sua perna e esta fricção impaciente fazia com que seu sexo se erguesse firme dentro dos seus calções. A fala verbal era inexistente. Comunicavamo-nos por meio de fricções e gemidos, ora delicados ora fervorosos. E em cada intensidade do meu suspiro, ele sabia o quão impaciente o meu corpo estava para recebê-lo. Marcos ordenava que eu respondesse a quem os meus desejos pertenciam. É como se a minha voz ofegante a pronunciar o seu nome incitava-lhe mais prazer. Ardente, eu rebolava em torno do seu sexo firme, arranhava forte as suas pernas e dizia-lhe que só me rendia às suas fantasias. E ele apalpava os meus seios cada vez mais eufórico e elogiava-me sensualmente.
Alguns dias antes, eu confessei ao Marcos que tinha fantasias voltadas para o traseiro. Durante o banho, eu deixava que a água morna escoasse imensa entre as minhas nádegas e permitia que o prazer se revelasse livremente. O contacto aliciava-me a algo mais, levando-me a seduzir uma antiga paixão: Marcos.
Na indecisão sobre como amar-me sexualmente, Marcos lembrou-se da nossa última conversa, pôs-me de pé e posicionou-me empinada contra a poltrona. Sentia o meu íntimo cada vez mais húmido na medida em que ele roçava o seu pênis entre as minhas nádegas […]

É uma paixão antiga e secreta. Com ânsias a flor da pele. Sem planos de terminar. Aventuro-me e envolvo-me no seu olhar que parece nunca se cansar da vista do meu corpo.

Texto: AnaBungo
Fotografia: Carlos César