Chamo-me Rosa. Fui casada com o Fernando durante três anos. Éramos um casal cúmplice e apaixonado. Tínhamos planos de ter o nosso primeiro filho logo após nos casarmos. Mas com o passar do tempo reparei que o meu corpo não reagia à reprodução. Isto tornou-me frágil. Receava que Fernando rejeitar-me-ia ao saber que sobre as minha dificuldade para conceber. Receava também que ele ficasse impaciente com a minha insegurança e fragilidade.
Apesar de trabalharmos em empresas diferentes, a nossa rotina diária era saudável. Chegávamos à casa às 16 horas e ainda tínhamos tempo de ver o pôr do sol juntos. O nosso apartamento tinha uma vista clara e atraente das montanhas da Cidade do Cabo que são a maior atracção dos turistas. Esta bela vista e a harmonia do nosso lar serviam de convite para os nossos amigos e familiares. Aos Domingos, Fernando adorava mimar-me com as suas sobremesas criativas sem nunca faltar a deliciosa cobertura de chocolate. Falaríamos sobre os nossos planos durante horas e encontrávamos motivação na nossa cumplicidade.O meu conforto vinha do bem-estar dele. Vê-lo sorrir levava-me aos agradecimentos mais divinos. Sentia-me completa e amada até ao nosso terceiro aniversário.
Três anos de boa convivência e companheirismo transformaram-se em discussões constantes e birrentas. Era visível o quanto ele desejava ter um filho quando, nas nossas conversas, ele dizia-me impacientemente o quanto sonhava em partilhar sorrisos e experiências com um filho. Eu temia que acabaria por perdê-lo porque as nossas trocas de palavras já transtornavam-me. Pedia-lhe vezes sem conta que entendesse a minha situação porque eu não podia fazer nada. É uma condição além do meu controle. E este prazer de ver um ser crescer dentro de mim e florescer aos olhos do universo, também era meu.
Dois meses após o nosso terceiro aniversário, eu já não sabia em que pé estávamos. Tomávamos o pequeno almoço sem sorrisos reluzentes nem conversas de um casal apaixonado. Às noites, quando nos deitávamos, olhávamos em direcções opostas.
Fernando gostava de dar-me conselhos. Sempre realçou sobre o poder das palavras. Numa manhã saudável, enquanto eu ajeitava o meu cabelo crespo e ele abotoava a sua camisa azul escura que contrastava com a sua pele morena, ele pediu-me que jamais deixasse que o desassossego me conduzisse às palavras severas. Logo concordei por ter um coração que não se adapta ao ferimento verbal. Mas, ironicamente, uma noite antes da nossa separação, Fernando e eu trocámos palavras que nenhum de nós jamais esquecerá:
- Sinto falta das tuas mãos sobre o meu corpo. Porque já não me dás prazer? Diz-me o que falta, Fernando - perguntei-lhe com a minha voz trémula.
- Sinto-me sufocado. Estou aqui mas apetece-me partir. Tenho dúvidas sobre o que ainda prende-me à ti. Desculpa-me por já não corresponder aos teus sentimentos - respondeu Fernando enquanto olhava fixamente nos meus olhos.
- Como podes dizer isso? Eu amaria dar-te um filho. O teu amor por mim mostrou-se ser companheiro ao longo destes anos. Porque agora exiges algo que eu não posso te dar? - lágrimas escorriam pelo rosto enquanto falava.
- Não sei. Mas já não suporto tudo isso. Não há harmonia entre nós. Chama-me de egoísta ou qualquer outro nome mas eu preciso sair daqui. Vejo que mal consegues dormir por causa destas discussões diárias - sua voz levantou-se significativamente.
E a discussão continuou. Custava-me crer que o homem que sempre abraçou os meus medos e ouviu o soluço da minha alma, permitiu que chegássemos ao extremo. Ainda que com a mente perturbada, eu sabia que algo a mais passava-se. Não posso ter-me enganado sobre o ser afável que ele sempre foi.
Na manhã seguinte, mal pude ir ao trabalho. Quando acordei, Fernando já tinha partido com algumas peças
de roupa e alguns sapatos. Apetecia-me partir também e deixar esta casa que
guarda tantos sorrisos belos e abraços íntimos. Desejava ir para um lugar
silencioso onde a minha mente pudesse descansar. Sentia-me inválida e mal
amada. Perguntava-me constantemente porque Deus fez-me incapaz de conceber.
Tinha de concentrar-me no meu trabalho mas não sabia onde buscaria forças para
tal.Os dias passaram-se, os meses correram e quando dei por mim, o tempo não o
trazia de volta. Cortei contacto directo com ele logo após reparar que as suas
roupas já não estavam no nosso guarda-fato. Mas como o amor verdadeiro é
superior que qualquer inquietação, perguntava aos seus amigos como ele estava.
Três meses após a nossa separação, as minhas duas irmãs aconselharam-me a tirar
umas férias e talvez mudar de casa também. Elas olhavam para mim e choravam por
dentro ao ver-me aflita sem ele. Então decidi pedir férias de duas semanas e
juntei-me à elas numa viagem à Ilhas Maurícias. Talvez encontrasse conforto
nesta viagem ou até mesmo uma simples distracção. O meu corpo precisava de um
outro lugar, de um outro ar e de uma outra rotina.
Quando de malas prontas à caminho do aeroporto, ao som de
Daddy - Emeli Sandé, memórias sobre a noite anterior levaram-me a escrever:
Cheguei à casa e despi-me. Tinha o corpo cansado e a
mente mais cansada ainda. Este cansaço consumia-me por dentro. Apetecia-me
falar, gritar, chorar e nessa confusão de pensamentos caí na mais perigosa
tentação: tu. Não consigo aceitar que acabou. Eu sei que já não me amas mas
isso… Sim, essa história cortada repentinamente não me permite viver. Falta tu,
as nossas conversas, o nosso ritmo diário. Falta o teu pequeno almoço à mesa, a
tua sobremesa que tornou-me especialista e o teu jantar sempre leve na calada
da noite. Apetece-me abraçar-te e sentir aquele conforto que só no teu corpo
encontrava. Fui ao espelho e mal pude encarar o meu rosto. Então cobri-me com
aquela blusa que ofereceste-me no nosso terceiro aniversário e expus o meu
corpo. Tenho o corpo nu e a alma mais despida ainda. Tenho os sentimentos
agoniados. Chamo-te nos meus sonhos e quando acordo apalpo o teu lado e sinto
um vazio que talvez jamais será preenchido. Não sei como será daqui em diante
sem os nossos hábitos mais comuns. Quero arranhões nas costas, palmadas no rabo
e aquele abraço quente após saboreares o meu corpo com muito amor. Que dor
inexplicável!
Não sei nada sobre o amanhã. Mal acompanho o que sou
hoje. O meu amor por ele permanece real e intenso. Talvez eu ainda faça parte da vida dele. Se o meu destino é viver sem conceber, espero encontrar um amor que se
sacrifique por mim. Os últimos meses têm traído a minha determinação.
Fotografia: Massalo Araújo