sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Homem Ideal




A Marta vai-se casar. Exibiu o seu maior sorriso hoje ao convidar-nos para o pedido. E assim que saiu da sala, eu já sabia o que me esperava. Fui bombardeada com conselhos para seguir o exemplo. Se até a secretária de apenas 21 anos se vai casar,  eu também sou capaz. Afinal do que estou a espera? Do príncipe encantado? Ou de um milagre? E mais uma vez vali-me da boa educação e do sarcasmo. Afirmei esperar por algo maior. O regresso do Messias. E saí da sala.

Prefiro tomar o meu chá sozinha na minha sala do que partilhar o momento com gente que critica sem razão. Lá por ter 37 anos,  ser solteira e não ter filhos,  não significa que não me queira casar. Eu também sonho com o vestido branco, droga! Com a entrada na igreja. O "sim". Mas ainda não chegou o meu momento. Nem conheci o homem ideal. Porque é isso que eu quero. Não o perfeito,  mas o ideal. Não preciso de um chef, mas aprecio que cozinhem para mim. Não quero um escritor,  mas não me importava de receber bilhetes românticos.

Embora abra mão de muitas qualidades num homem,  jamais abrirei mão do que me foi prometido. E foi-me prometido um homem ideal. Pela minha avó. E não me interessa que tenha sido há muitos anos atrás. Nem que eu saiba que ela não tem qualquer controlo sobre o futuro. Vou esperar que essa promessa se cumpra. Porque a minha avó não mente. 

domingo, 23 de novembro de 2014

Separação amorosa: a concepção



Chamo-me Rosa. Fui casada com o Fernando durante três anos. Éramos um casal cúmplice e apaixonado. Tínhamos planos de ter o nosso primeiro filho logo após nos casarmos. Mas com o passar do tempo reparei que o meu corpo não reagia à reprodução. Isto tornou-me frágil. Receava que Fernando rejeitar-me-ia ao saber que sobre as minha dificuldade para conceber. Receava também que ele ficasse impaciente com a minha insegurança e fragilidade. 
Apesar de trabalharmos em empresas diferentes, a nossa rotina diária era saudável. Chegávamos à casa às 16 horas e ainda tínhamos tempo de ver o pôr do sol juntos. O nosso apartamento tinha uma vista clara e atraente das montanhas da Cidade do Cabo que são a maior atracção dos turistas. Esta bela vista e a harmonia do nosso lar serviam de convite para os nossos amigos e familiares. Aos Domingos, Fernando adorava mimar-me com as suas sobremesas criativas sem nunca faltar a deliciosa cobertura de chocolate. Falaríamos sobre os nossos planos durante horas e encontrávamos motivação na nossa cumplicidade.O meu conforto vinha do bem-estar dele. Vê-lo sorrir levava-me aos agradecimentos mais divinos. Sentia-me completa e amada até ao nosso terceiro aniversário. 
Três anos de boa convivência e companheirismo transformaram-se em discussões constantes e birrentas. Era visível o quanto ele desejava ter um filho quando, nas nossas conversas, ele dizia-me impacientemente o quanto sonhava em partilhar sorrisos e experiências com um filho. Eu temia que acabaria por perdê-lo porque as nossas trocas de palavras já transtornavam-me. Pedia-lhe vezes sem conta que entendesse a minha situação porque eu não podia fazer nada. É uma condição além do meu controle. E este prazer de ver um ser crescer dentro de mim e florescer aos olhos do universo, também era meu. 
Dois meses após o nosso terceiro aniversário, eu já não sabia em que pé estávamos. Tomávamos o pequeno almoço sem sorrisos reluzentes nem conversas de um casal apaixonado. Às noites, quando nos deitávamos, olhávamos em direcções opostas.
Fernando gostava de dar-me conselhos. Sempre realçou sobre o poder das palavras. Numa manhã saudável, enquanto eu ajeitava o meu cabelo crespo e ele abotoava a sua camisa azul escura que contrastava com a sua pele morena, ele pediu-me que jamais deixasse que o desassossego me conduzisse às palavras severas. Logo concordei por ter um coração que não se adapta ao ferimento verbal. Mas, ironicamente, uma noite antes da nossa separação, Fernando e eu trocámos palavras que nenhum de nós jamais esquecerá:
- Sinto falta das tuas mãos sobre o meu corpo. Porque já não me dás prazer? Diz-me o que falta, Fernando - perguntei-lhe com a minha voz trémula. 
- Sinto-me sufocado. Estou aqui mas apetece-me partir. Tenho dúvidas sobre o que ainda prende-me à ti. Desculpa-me por já não corresponder aos teus sentimentos - respondeu Fernando enquanto olhava fixamente nos meus olhos.
- Como podes dizer isso? Eu amaria dar-te um filho. O teu amor por mim mostrou-se ser companheiro ao longo destes anos. Porque agora exiges algo que eu não posso te dar? - lágrimas escorriam pelo rosto enquanto falava. 
- Não sei. Mas já não suporto tudo isso. Não há harmonia entre nós. Chama-me de egoísta ou qualquer outro nome mas eu preciso sair daqui. Vejo que mal consegues dormir por causa destas discussões diárias - sua voz levantou-se significativamente.

E a discussão continuou. Custava-me crer que o homem que sempre abraçou os meus medos e ouviu o soluço da minha alma, permitiu que chegássemos ao extremo. Ainda que com a mente perturbada, eu sabia que algo a mais passava-se. Não posso ter-me enganado sobre o ser afável que ele sempre foi. 
Na manhã seguinte, mal pude ir ao trabalho. Quando acordei, Fernando já tinha partido com algumas peças de roupa e alguns sapatos. Apetecia-me partir também e deixar esta casa que guarda tantos sorrisos belos e abraços íntimos. Desejava ir para um lugar silencioso onde a minha mente pudesse descansar. Sentia-me inválida e mal amada. Perguntava-me constantemente porque Deus fez-me incapaz de conceber. Tinha de concentrar-me no meu trabalho mas não sabia onde buscaria forças para tal.Os dias passaram-se, os meses correram e quando dei por mim, o tempo não o trazia de volta. Cortei contacto directo com ele logo após reparar que as suas roupas já não estavam no nosso guarda-fato. Mas como o amor verdadeiro é superior que qualquer inquietação, perguntava aos seus amigos como ele estava. Três meses após a nossa separação, as minhas duas irmãs aconselharam-me a tirar umas férias e talvez mudar de casa também. Elas olhavam para mim e choravam por dentro ao ver-me aflita sem ele. Então decidi pedir férias de duas semanas e juntei-me à elas numa viagem à Ilhas Maurícias. Talvez encontrasse conforto nesta viagem ou até mesmo uma simples distracção. O meu corpo precisava de um outro lugar, de um outro ar e de uma outra rotina.

Quando de malas prontas à caminho do aeroporto, ao som de Daddy - Emeli Sandé, memórias sobre a noite anterior levaram-me a escrever:

Cheguei à casa e despi-me. Tinha o corpo cansado e a mente mais cansada ainda. Este cansaço consumia-me por dentro. Apetecia-me falar, gritar, chorar e nessa confusão de pensamentos caí na mais perigosa tentação: tu. Não consigo aceitar que acabou. Eu sei que já não me amas mas isso… Sim, essa história cortada repentinamente não me permite viver. Falta tu, as nossas conversas, o nosso ritmo diário. Falta o teu pequeno almoço à mesa, a tua sobremesa que tornou-me especialista e o teu jantar sempre leve na calada da noite. Apetece-me abraçar-te e sentir aquele conforto que só no teu corpo encontrava. Fui ao espelho e mal pude encarar o meu rosto. Então cobri-me com aquela blusa que ofereceste-me no nosso terceiro aniversário e expus o meu corpo. Tenho o corpo nu e a alma mais despida ainda. Tenho os sentimentos agoniados. Chamo-te nos meus sonhos e quando acordo apalpo o teu lado e sinto um vazio que talvez jamais será preenchido. Não sei como será daqui em diante sem os nossos hábitos mais comuns. Quero arranhões nas costas, palmadas no rabo e aquele abraço quente após saboreares o meu corpo com muito amor. Que dor inexplicável!

Não sei nada sobre o amanhã. Mal acompanho o que sou hoje. O meu amor por ele permanece real e intenso. Talvez eu ainda faça parte da vida dele. Se o meu destino é viver sem conceber, espero encontrar um amor que se sacrifique por mim. Os últimos meses têm traído a minha determinação.

Fotografia: Massalo Araújo